No bairro da Mooca, a Horta das Flores sonha em ser um espaço de referência em agricultura urbana e educação ambiental enquanto a Praça Alfredo di Cunto, onde está instalada, segue fechada com cadeado.

 

Em 2004, o terreno de 7 mil m² onde hoje está a praça Alfredo di Cunto – a Horta das Flores fica dentro desta praça – virou uma enorme horta para que mães de jovens carentes pudessem plantar e colher. Depois, o local teve uma escola estufa, onde havia aulas de jardinagem e agricultura, além de um viveiro de plantas. Os projetos foram encerrados e a prefeitura quis vender o terreno para a construção de creches, mas uma mobilização de moradores conseguiu inviabilizar essa ideia. Em 2015, um grupo de pessoas ligadas à agricultura urbana buscou um diálogo com a prefeitura pra fazer uma horta comunitária dentro da praça, onde alguns moradores das redondezas já faziam seus plantios. O engenheiro ambiental Pedro Almeida foi um dos articuladores. “Na época eu procurei o CADES (Conselho Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) e o subprefeito estava lá e me incentivou a continuar e conversar com as pessoas que cuidavam do espaço. Foi tudo bem informal e começamos a limpar o entulho, fazer canteiro, compostagem, produzir muda. Depois de um ano, fizemos uma parceria com o projeto Praça dos Povos, que ajuda na revitalização de praças, e conseguimos recursos para comprar ferramentas, sementes e fazer eventos”, relembra. Foi assim que surgiu o coletivo Horta das Flores, focado em cuidar da horta que fica dentro da praça.

Só que em setembro de 2016, a prefeitura resolveu fechar de vez o portão daquela praça – que costumava ficar aberta durante o dia, enquanto havia funcionários trabalhando no local. A justificativa para o fechamento é a proximidade com a ocupação que existe ao longo de um trecho da Radial Leste a partir do Viaduto Bresser. “Devido a sua localização e a proximidade com uma comunidade, a Prefeitura Regional Mooca vem tentando administrar esse espaço com o cuidado que entendeu necessário para evitar ocupações indevidas. Se isso acontece, veremos o espaço perder seu potencial para virar um ‘canto’ de uso irregular, que não atende bem nem ao ocupante temporário e nem aqueles que poderiam fazer o uso adequado”, me explicou a prefeitura regional da Mooca.

Essa comunidade começou a se formar sob o Viaduto Bresser em 2014, foi ganhando corpo e ocupando mais espaço ao longo da calçada. Agora, a prefeitura disse que já trabalha para remover as pessoas para abrigos. Bom, quem passa por ali diariamente ainda não viu essa movimentação…

Vista da Praça Alfredo di Cunto de cima do Viaduto Bresser. Foto: Reprodução Google Maps

Apesar do fechamento, o coletivo da horta continua. Eles mantiveram um contato com a prefeitura e com o CADES, conseguiram uma chave do portão e se organizam para as regas semanais e para os mutirões mensais de manutenção. Afinal, nunca quiseram, e não querem, ver o trabalho ser perdido. Essa resistência é uma característica desses projetos. As pessoas que se envolvem querem que dê certo, que continue, que ajude a mudar a cidade. “Pra mim, essas hortas representam o povo retomando a soberania sobre o território. Porque o espaço público é nosso, não do governo”, diz a jornalista e ativista da agricultura urbana Cláudia Visoni.  “Uma horta oferece mais do que salsinha, cebolinha e PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais). É uma experiência republicana, cidadã. Esse tipo e ocupação do espaço é um exercício político, uma oportunidade de negociar e exercer a resiliência. Ninguém chega pra fazer uma horta impondo as suas vontades. É preciso conversar com as pessoas, com o governo. E quando você conquista esse espaço, adquire uma responsabilidade enorme que é gerir tudo que acontece naquele lugar. É um exercício de cidadania”.

Hortas em espaços públicos abertos, como a Horta das Corujas e a Horta da City Lapa,  não possuem um contrato de uso do espaço com a prefeitura. Elas surgem por iniciativa de pessoas engajadas e a própria dinâmica do espaço, a forma como ele passa a ser usado, faz com que sejam aceitos – ou não – pela comunidade. A verdade é que se uma horta urbana trouxer benefícios palpáveis para o lugar, dificilmente a prefeitura vai simplesmente tirá-la de lá. Até porque, as pessoas não vão deixar.  “Se uma horta deixa o lugar mais legal e mais seguro, lá pra frente vai ser mais difícil alguém mexer naquilo que está funcionando”, diz Cláudia.

Como a Horta das Flores fica em um espaço cercado, onde há dois zeladores contratados pela prefeitura, a conversa com a administração é sensata e necessária. Hoje, existe um acordo informal para que o coletivo use aquele espaço. Os zeladores fazem a manutenção geral do lugar, enquanto os membros do coletivo cuidam mais diretamente da horta. Os gastos com água, energia e vigilância são por conta da prefeitura, enquanto o investimento em ferramentas, mudas, sementes, terra etc, fica por conta do coletivo. “O que é produzido usamos para autoconsumo dos voluntários e sabemos que algumas pessoas também colhem durante a semana. Quando temos mutirão com algum parceiro (como o Arsenal da Esperança), também doamos parte do produzido”, conta André Biazoti, um dos integrantes do coletivo Horta das Flores. “Antigamente, quando a praça era aberta, pessoas da comunidade colhiam da horta, mas isso não ocorre mais”, completa.

Há cerca de um ano a rotina da horta das Flores é essa, de diálogo, trabalho e expectativa. A prefeitura diz que este ano o gradil será removido. Com a praça aberta, o trabalho pode ficar mais livre, não necessariamente mais fácil. Serão novos desafios para se chegar ao objetivo. “Nosso sonho é que o espaço se torne um Centro de Referência em Agricultura Urbana e Educação Ambiental”, diz André.

 

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