No fundo de uma casa em uma rua tranquila de São Paulo fica o ateliê da marca As Tintureiras. Criada em 2018 por Drica e Maria Fontana, mãe e filha, a marca nos mostra o potencial da natureza, que mais do que comida, água, sombra e ar puro, também nos oferece cor e forma.
É a partir das folhas, flores, raízes, sementes e cascas das plantas que as duas conseguem colorir e estampar tecidos, uma forma de conectar o consumo do dia a dia, no caso roupas e acessórios, com aquilo que vem da terra.
Pau-Brasil, crajiru, macela e cosmus são algumas das plantas usadas no trabalho de tingimento natural e impressão botânica.
A maior parte da matéria-prima vem do Cerrado, região para a qual Drica já viaja três vezes por ano e aproveita para trazer o que precisa. Elas também trabalham com alguns fornecedores do Ceasa de São Paulo, como por exemplo de flores e casca de cebola, e com matérias-primas importadas. Infelizmente, elas dizem, ainda existe pouca pesquisa sobre o potencial tintório da flora brasileira. Porém, se esse movimento cresce, a tendência é que esse tipo de demanda também aumente.
Maria é formada em publicidade e Drica em artes plásticas. As duas amam a natureza e os fazeres manuais. E da conjunção dessas duas paixões surgiu As Tintureiras. “Há dois anos minha mãe descobriu a impressão botânica pela internet. Como sempre gostamos muito de planta e a técnica une as plantas e o fazer manual, fomos aprender e nos apaixonamos”, conta Maria.
Como muitos dos pequenos negócios artesanais, elas começaram criando as peças para elas. Os amigos gostavam, veio uma página no Instagram e As Tintureiras virou um negócio.
Hoje, elas vendem os tecidos tingidos e estampados pela internet, dão cursos e também fazem trabalhos sob encomenda para marcas.
Tingimento natural
O tingimento natural é uma técnica milenar, usada por povos ancestrais, que ganhou um pouco mais de destaque nos últimos tempos com trabalhos importantes como o da estilista Flávia Aranha, que inclusive participou do São Paulo Fashion Week em 2019 .
É um trabalho lento e artesanal. No ateliê As Tintureiras, elas levam um dia para tingir 3 metros de tecido. De forma bem resumida, elas fazem a “tinta” com as plantas e levam o tecido para “cozinhar” nesta tinta.
Não é um processo em que se tem 100% do controle. Porém, com a experiência é possível ter uma ideia do que vai acontecer. “Muitos fatores influenciam o resultado final: a época do ano em que a planta foi colhida, a quantidade de tanino que ela tem, a quantidade de fixador e de matéria-prima usada, quanto tempo o tecido fica no calor, ou na vaporização, o quanto de pressão se usa”, explica Drica. Porém, elas já sabem que o pau-brasil pode resultar em um vermelho ou roxo, a depender do fixador e da fibra que estão usando.
Impressão Botânica
A impressão botânica é uma técnica mais recente. Foi desenvolvida pela australiana Índia Flint a partir do eucalipto.
O que se faz na impressão botânica é transferir para o tecido as formas e as cores de plantas. É um processo artesanal e surpreendente porque não é fácil prever o resultado final. Mas claro que a experiência também permite uma boa ideia do que acontecerá.
Nesta técnica, depois de espalhar as plantas sobre o tecido ele é enrolado, amarrado e vai para o cozimento. Quando é desenrolado, as plantas deixam suas formas e cores sobre ele.
Importante dizer que não são todas as plantas que funcionam para a estamparia. Em geral, é quantidade de tanino presente que vai dizer se ela dá ou não uma boa impressão. Como saber quais dão certo? Uma dica é pesquisar na internet. Outra, é testar.
Drica explica que é possível criar padrões de estampa usando a impressão botânica, porém não é um padrão industrial. “Quando faço uma estampa em 3 metros de tecido, é impossível repetir exatamente igual nos próximos 3 metros. Vai ficar parecido, mas não idêntico como acontece na padronagem industrial. O bacana disso é que o consumidor acaba tendo uma peça única”.
Sustentabilidade e consumo
Os processos artesanais do tingimento natural e impressão botânica precisam de algumas químicas para acontecer. Porém, são “químicas naturais”.
No ateliê As Tintureiras elas trabalham o alúmen, um tipo de sal muito usado na indústria cosmética, e a água enferrujada, que elas produzem em casa, deixando objetos enferrujados de molho. Isso significa que tudo que sobra do processo pode ser descartado no ralo, sem medo de contaminar a água.
A questão do consumo também entra na conta da sustentabilidade. Ao comprar produtos elaborados com esta técnica, o consumidor mostra que não está preocupado apenas com tendências de moda e preço.
Maria conta que o ateliê já fez trabalhos para grandes marcas (ela não pode citar quais são por questões contratuais) e que muitas estão olhando para esse nicho mais sustentável justamente por causa da exigência do consumidor. “Os consumidores estão começando a se enxergar como parte do processo. Porque a partir do momento que você resolve comprar algo, está bancando todo o processo e toda a filosofia da empresa. E as marcas perceberam isso e estão começando a se mexer nesse sentido”.
Quer começar?
Ficou interessado em fazer tingimento natural e impressão botânica. Pois As Tintureiras oferecem cursos práticos. Por causa da pandemia, as aulas presenciais foram canceladas, mas já está no forno um curso online em parceria com a Escola de Botânica.
Enquanto isso, vocês podem treinar com esse vídeo no Instagram em que elas ensinam a estampar papel. Eu testei em casa e postei o resultado no meu Instagram. Olhem lá!