Canteiros e rotatórias com plantas nativas e cortes na guia para direcionar a água que corre pelo asfalto – o jardim de chuva – pode ajudar a deixar a cidade mais verde e permeável.

Em 2017, fiz uma longa entrevista com o botânico Ricardo Cardim para o Projeto Draft. Uma das falas dele que ainda reverbera quando penso na nossa relação com o verde é de que ter uma cidade mais sustentável não significa viver no meio da floresta ou ter uma onça na porta de casa. Significa, sim, conviver de forma harmônica com a natureza dentro do espaço urbano, desfrutando dos benefícios e confortos que foram conquistados pela vida moderna.

Bom, mas o que isso tem a ver com os jardins de chuva, tema desse texto? Não raro, a água da chuva traz problemas sérios para a cidade. A culpa não é só da chuva, mas também das pessoas que enterraram os rios, ocuparam os espaços para onde essa água corria e tornaram a cidade impermeável. E o jardim de chuva é um caminho para ajudar a encontrar o equilíbrio entre a água, a natureza e as pessoas no espaço urbano.

Jardim de Chuva da Rua Fiandeiras. Foto: Novas Árvores por Aí

Um jardim de chuva é um espaço permeável, que funciona como uma grande esponja. A ideia básica é criar entradas nas guias dos canteiros para que a água que escorre pelas ruas possa penetrar e ocupar o espaço. A terra é preparada de forma que fique super permeável e a água possa se infiltrar lentamente, mantendo a umidade do solo, alimentando o lençol freático e voltando para a rua mais limpa e em menor quantidade. Plantas nativas, capazes de sobreviver em situações extremas – com muita água ou secura total (afinal, não chove o ano todo) – cobrem os canteiros e ajudam a trazer biodiversidade para a cidade.

Os cortes feitos na guia para direcionar a água. Foto: Novas Árvores Por Aí

Os jardineiros da chuva

Quem tem feito muitos desses jardins por São Paulo é o paisagista e ativista Nik Sabey, do Novas Árvores Por Aí. Ele acredita na disseminação dessa técnica como uma forma de melhorar a cidade. “A gente consegue uma diferença grande com uma mudança pequena”, diz.

Em um desses jardins foi possível, também, ampliar o espaço da calçada. Na Rua Fiandeiras, Zona Sul, o jardim fica no meio-fio, como os parklets, e uma placa de metal foi colocada sobre a guia, aumentando o espaço para os pedestres. “Isso é bem importante neste momento em que o carro está sendo questionado”. Hoje, ele leva essa técnica para obras de grandes empresas, como uma construtora que fez um jardim de chuva na calçada da Radial Leste. Nik lembra que, em São Paulo, os jardins podem ajudar a amenizar o problema da água que os prédios soltam nas ruas e vão, literalmente, para o ralo. “Isso acontece porque os prédios cavam para fazer o subsolo, chegam ao lençol freático e a água acaba minando. Para não ter um alagamento, ela é bombeada para a rua. Em locais onde isso acontece, o jardim de chuva vai se beneficiar dessa água mesmo nos períodos de seca”.

A placa metálica aumentou o tamanho da calçada. Mais um benefício para a cidade. Foto: Novas Árvores por Aí

Na Vila Jataí, bairro na região da Vila Madalena, o jardim de chuva nasceu por iniciativa de moradores engajados em transformar o lugar em um espaço sustentável e ajudar a preservar as nascentes que correm por baixo do asfalto. Eles construíram um dos primeiros jardins de chuva da cidade, em 2016, em parceria com a subprefeitura, um trabalho que serviu de exemplo para muitas pessoas que queriam entender e aprender um pouco mais sobre a técnica. “Foi uma ótima experiência ser o exemplo e mostrar que é possível”, diz Jussara Nery, moradora, voluntária e entusiasta do trabalho.

Depois dessa experiência, a turma da Vila Jataí fez seis canteiros permeáveis usando uma técnica que preenche o espaço com troncos maiores, menores, galhos e gravetos, material que se decompõe e deixa a terra mais permeável. “Além disso, usamos quatro caminhões de poda, material que talvez fosse para o lixo”, comemora Jussara. “Percebi que esses canteiros se deram melhor na época de seca dos que o jardim de chuva”, conta. Ela acredita no poder das pequenas ações. “Qualquer pessoa que resolva tirar o cimento do corredor ou do quintal já ajuda bastante”, diz.

A história

A ideia de transformar os canteiros em espaços permeáveis, preparados para receber a água da chuva, é uma daquelas que começou para resolver o problema de alguém. Zephaniah Phiri Maseko, morador do Zimbábue, precisava alimentar a família e não tinha dinheiro nem trabalho, apenas um terreno. Foi observando o caminho que a água fazia nas suas terras que ele criou um jeito de captá-la e aproveitá-la de forma inteligente para ter alimento o ano todo. Por toda sua terra, Phiri fez com que a água da chuva descesse com menor velocidade, apenas com a ajuda da força da gravidade, e fosse absorvida pela vegetação. Assim, conseguiu plantar e colher para ter alimento o ano todo.

O permacultor americano Brad Lancaster foi conhecer de perto essa história e levou a ideia para Tucson, no deserto do Arizona. Ele começou a aplicar os conceitos na sua casa, onde a paisagem se modificou, as inundações que aconteciam na época das chuvas acabaram e houve uma economia de água usada na irrigação do jardim. O negócio inspirou os outros moradores do bairro, saiu detrás dos portões da casa de Brad e acabou até virando uma política pública. O bairro ficou mais verde, mais seguro (porque as pessoas saiam mais de casa), mais fresco e mais bonito.

Jardim de Chuva em Tucson Arizona, onde a técnica virou uma política pública

Pois é, os jardins captadores de água transformaram um bairro nos Estados Unidos. Será que podem transformar a nossa cidade?

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3 comentários

  1. Como eu poderia implantar aqui em minha cidade esse projeto, uma vez que cada chuva mais forte inunda a rodoviária e o terminal rodoviário, ruas e avenidas,,foi canalizado o Rio Itapeva então na parte mais baixa inunda atingindo lojas e casas.

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