Criador do projeto Flores no Cimento, Diego Ramos, 41 anos, considera-se fazendo uma pequena parte para transformar a vida urbana: plantando onde é possível na cidade e ensinando a importância de refazer as conexões com o meio-ambiente. Ele, que é professor da Educação Infantil, faz questão de levar às crianças a importância da relação humana com a terra.
Na sua casa, cercada por prédios na Vila Madalena, ele tem dezenas de árvores, plantadas por ele ou pelos pássaros: amoreira, goiabeira, ipê amarelo, ipê roxo, ipê branco, bananeira, jabuticabeira, carambola, araçá, juçara, além de gengibre roxo, quaresmeira rasteira e caninha do brejo. “Ao entrar neste lugar, parece que você não está na cidade. A temperatura muda, a umidade muda e comemos fruta do pé. É o resgate de uma cultura”, diz.
O Flores no Cimento nasceu em 2011 a partir do projeto Orquídeas da Vila, que plantava orquídeas em árvores da Vila Madalena. Hoje, os plantios incluem a Horta Madalena, árvores nativas, árvores de lei, jardins comestíveis e o que for possível colocar em meio ao cimento. A ideia é sempre ocupar espaços com plantas e pessoas.
Mais do que um projeto, o Flores no Cimento tornou-se uma empresa. Para sustentar as ações voluntárias (incluindo aulas em uma escola pública), Diego constrói e vende arranjos que privilegiam a diversidade e as plantas nativas e faz trabalhos de jardinagem em pequenos espaços. Isso ajuda a captar recursos para que ele possa continuar plantando nas praças e na Horta Madalena. “Hoje eu consigo dar aula só durante meio período da minha vida na escola particular e a outra metade me dedico a essa dinâmica do Flores no Cimento, ora dando aula voluntariamente, ora vendendo arranjo, ora fazendo a jardinagem e conseguindo recurso pra manter essa história rebrotando em alguns lugares”.
Na entrevista a seguir Diego fala sobre o projeto e sobre a relação das pessoas que vivem na cidade com o verde urbano!
Como nasceu o Flores no Cimento?
Nasceu em 2011, como uma transformação do projeto Orquídeas da Vila, que plantava orquídeas em árvores da Vila Madalena com o intuito de chamar as pessoas pra cuidar de um espaço comum.
Aos poucos, apareceram as dificuldades, como a limitação por causa da altura das árvores, o fato de nem sempre termos orquídeas e também de elas misteriosamente sumirem quando floresciam.
Aí começamos a plantar outras flores e temperos em garrafas pet que colocávamos nos postes. E quando deixou de ser só orquídeas, mudamos o nome para Flores no Cimento.
Ao mesmo tempo, nos conectamos com pessoas ligadas ao plantio urbano como o Nik Sabbey, do Novas Árvores por Aí; a Cláudia Visoni, da Horta das Corujas; o Salvador Abrahão, do Grupo Pedra 9;, o Gerson Pinheiro, do SOS Abelhas sem Ferrão. Foi uma ressignificação das nossas ações. Passamos a privilegiar plantas da Mata Atlântica, observar o que podíamos plantar embaixo destas árvores, estudar as flores melíferas e a importância destes canteiros para a manutenção das abelhas sem ferrão. Enfim, ficamos com um trabalho muito mais diverso.
Quais as dificuldades de plantar na cidade?
Plantar é um grande exercício de ocupação da cidade. Tivemos alguns problemas no começo, quando plantamos 2 mil arranjos de garrafa pet na Vila Madalena e recebemos uma notificação da Eletropaulo (hoje Enel), dizendo que não podíamos usar os postes para o plantio porque, ao cuidar das flores, o cidadão poderia sofrer alguma descarga elétrica.
Conseguimos pontuar a eles que a flor não pode ser um problema da cidade. Se houver uma descarga elétrica é por uma falta de manutenção… E foi interessante porque, no fim, conseguimos criar um canal de comunicação com a empresa: avisávamos se havia algum problema no local onde queríamos plantar e eles faziam o reparo para diminuir a possibilidade de acidente.
Eu diria pra você que o maior entrave é o morador querer receber essa árvore na frente da casa dele. Porque hoje a árvore é vista como um problema da cidade.
Essa visão distorcida acontece por causa da falta de manutenção, já que há muitos casos de árvores que caem pela cidade?
A falta de manutenção é um problema de um serviço público que talvez não seja prestado adequadamente. E aí a gente parte de novo pra que o cidadão seja mais efetivo na construção dessa cidade. Pra mim, o problema que vivemos hoje é um desregular total da natureza.
Estamos falando pouco disso neste momento do Covid porque estamos pontualmente cuidando da doença. Mas que desequilíbrio ambiental pode ter sido gerador disso? É preciso ter outras discussões, até pra gente se ver novamente como parte dessa natureza.
Fazemos parte desse organismo, e uma parte pequena e indefesa. Então, temos que cuidar muito desse lugar que chamamos de planeta e que é a nossa casa.
Vamos precisar de um rearranjo do verde urbano? Como pode ser a convivência entre a cidade e a natureza?
Precisamos pensar em como podemos ser um autor efetivo desse reequilibrar. Quem disse que o paisagismo urbano precisa ser um gramado e não pode ser uma horta em um prédio? E quem disse que essa horta e essas flores precisam contribuir com a gente e não para o meio-ambiente, pra essa fauna gigante que vive na cidade e precisa se alimentar? Que harmonia a gente está propondo e por que esse jardim precisa ser um jardim contemplativo, que as pessoas nem contemplam na correria do dia a dia? Por que ele não pode ter um outro serviço ambiental, como os jardins de chuva e os jardins comestíveis?
Qual o papel das hortas na cidade?
Muita gente vai na horta só pra colher, ou seja, continua no “esquema supermercado”, sem entender o sistema de produção. Ainda assim, quando vai pra horta é uma reconexão, porque a pessoa vai ficando naquele lugar até voltar a colocar a mão na terra, ou observar a natureza, se encantar por uma borboleta, perder o medo das abelhas e dos insetos. E aí começar a se ver como parte daquilo. É uma mudança de olhar a partir de uma vivência que muitas vezes a agente nem tem mais percepção.
Como começou o seu interesse pelas plantas?
Eu tento revirar os meus baús e gavetas de memória e não lembro de plantar na infância, mas lembro de brincar em muitos jardins. Lembro da minha curiosidade pelos pequenos bichos de jardim, do interesse pela cor, textura e aroma das plantas, pelas hortas que tinha na casa das minhas duas avós. Acho que criei um super respeito pelas plantas a partir das minhas brincadeiras dentro do jardim.
Por que você acha que as pessoas deviam plantar mais?
Tem uma praça ao lado do Fórum de Pinheiros que, nos anos 80, ia virar uma delegacia para os condenados no Fórum. Alguns moradores plantaram ali Pau-Brasil para frear a criação dessa grande delegacia. Hoje essa praça é um bosque. E eu sempre me pergunto se a tal delegacia tivesse sido construída, será que o bairro teria se constituído da mesma forma? Por isso eu sempre pergunto: o que você quer pro seu bairro?
Quando ouço, por exemplo, o Ailton Krenak dizendo que nós somos parte dessa natureza, algo tão óbvio mas que a gente esquece, fico feliz por estar fazendo uma pequena parte.
Então, o que eu digo sempre é seja mais ativo, converse com os seus vizinhos, veja o que vocês podem melhorar desse lugar, plantem lugares de convivência. Mais do que jardins, ao plantar estamos construindo espaços de convivência e resgate do reencontro entre gente e natureza. A gente é bicho e faz parte desse organismo grande chamado planeta.
[…] O simples estar na horta já ensina muito. “Muita gente vai na horta só pra colher, ou seja, continua no “esquema supermercado”, sem entender o sistema de produção. Ainda assim, é uma reconexão, porque a pessoa vai ficando naquele lugar até voltar a colocar a mão na terra, ou observar a natureza, se encantar por uma borboleta, perder o medo das abelhas e dos insetos. E aí começa a se ver como parte daquilo. É uma mudança de olhar a partir de uma vivência que muitas vezes a gente nem tem mais percepção”, diz Diego Ramos, criador do projeto Flores no Cimento. […]
[…] De fato, quando vamos plantar removemos muito entulho”, conta Diego Ramos, criador do projeto Flores no Cimento, que foi quem contou essa história e, em 2018, adotou a praça legalmente, dentro do programa da […]