O universo que o movimento de agricultura urbana vem apresentando para os paulistanos inclui estes dois conceitos, que trazem uma visão mais ampla sobre a conexão entre os humanos e a natureza.

Quem vive em São Paulo e já se envolveu minimamente com as questões de agricultura urbana, possivelmente já se deparou com as palavras Agroecologia e Permacultura. São dois termos muito comuns na vida de quem lida com as hortas da cidade e busca uma relação mais saudável – e sustentável – entre ser humano e natureza.

Mais do que cultivar alimentos, as hortas urbanas são espaços de cidadania e educação ambiental. São ambientes onde é possível experimentar e conhecer técnicas de cultivo, mas também entender que a relação entre homem e natureza vai além de plantar e colher. E Agroecologia e Permacultura são conceitos muito presentes nas hortas urbanas justamente porque extrapolam a função da terra como mera fornecedora de alimento. Dentro dessas duas “correntes” (que são complementares e têm muito a ver uma com a outra), a produção de comida é apenas um elemento em um universo de muitos.

AGROECOLOGIA

Plantar, colher, preservar o meio-ambiente, trabalhar de forma justa e relacionar-se de maneira harmônica com a natureza, sem explorá-la a qualquer custo. Tudo isso está relacionado à prática da Agroecologia, um conceito que prevê a produção agrícola a partir do tripé da sustentabilidade social, econômica e ambiental.

Segundo a pesquisadora Elaine Azevedo, no livro “Alimentos Orgânicos – ampliando os conceitos de saúde humana, ambiental e social”, a Agroecologia surgiu como disciplina científica na década de 1930 e permaneceu assim até a década de 1960, quando seu ideário se mesclou com o movimento ambiental questionador da agricultura industrial moderna. Como prática agrícola, estabeleceu-se nos anos 1980.

Na prática, a Agroecologia prevê o NÃO uso de substâncias químicas no manejo das plantações e a menor dependência possível de insumos externos, ou seja, os agricultores buscam o máximo de soluções possíveis dentro da sua propriedade, hortas ou jardins. Os agricultores agroecológicos usam as podas como cobertura verde, reaproveitam resíduos para compostagem, fazem um sistema de rotação de culturas, costumam produzir suas próprias sementes e mudas, fazem o uso racional e eficiente de recursos naturais (como a água, por exemplo), fazem plantação consorciada, entre outras técnicas.

Nas propriedades agroecológicas comerciais, a ideia é sempre vender o mais próximo possível, de preferência diretamente para o consumidor, para que os produtos não precisem percorrer grandes distâncias. A cadeia curta entre produção e consumo é, também, uma das premissas da Agroecologia.

E tem ainda as relações de trabalho, que precisam ser justas e socialmente viáveis. Afinal, não adianta cuidar do meio-ambiente e não cuidar das pessoas. Por isso, uma plantação agroecológica prevê relações de trabalho sem qualquer tipo de exploração.

Agroecologia é o mesmo que Agricultura Orgânica?

Agroecologia e Agricultura Orgânica se aproximam em muitos pontos, mas são práticas diferentes. “Produtos orgânicos podem ser produzidos nos moldes da agricultura convencional ou da monocultura. Os produtos orgânicos apenas não usam da química industrial como principal meio de combate a pragas e de fonte de fertilizantes para adubação”, explica o pesquisador Guga Nagib no livro “Agricultura Urbana como ativismo na cidade de São Paulo”. Toda produção agroecológica é orgânica, mas nem toda produção orgânica é agroecológica.

Em São Paulo, a Agroecologia está muito presente nas hortas urbanas, tanto nas comunitárias quanto nas comerciais (que ficam principalmente nos extremos da periferia). Ligadas à AAZL (Associação de Agricultores da Zona Leste), por exemplo, existem 7 hortas em transição agroecológica, ou seja, em um processo de sair da produção convencional para a diversidade da Agroecologia.

Horta das Corujas, na Zona Oeste de São Paulo, onde são utilizados alguns princípios da Agroecologia. Foto: Popó Lopes

Um bom jeito de vivenciar esse universo agroecológico é participar dos mutirões que acontecem em hortas como a das Corujas, uma das mais famosas da cidade, ou mesmo conhecer uma dessas hortas comerciais na periferia. Não há nada como a experiência de ver de perto este sistema.

PERMACULTURA

O termo Permacultura foi criado na década de 1970 pelos australianos Bill Mollison (1928-2016) e David Holmgren. Bill cresceu na floresta na Tasmânia, foi lenhador, caçador, pescador e, também, acadêmico. David, na época, era estudantes de Design Ambiental e foi no ambiente acadêmico que os dois se conheceram e co-criaram esse conceito.

Na origem, a palavra vem do inglês “Permanent Agriculture” e ganhou uma dimensão cultural com o passar dos anos. Hoje, Permacultura é considerada a contração das palavras cultura e permanente. É a cultura da permanência, que significa ter um ambiente que seja sustentável e resiliente do ponto de vista humano, natural e social.

No livro “Introdução à Permacultura”, Bill Mollison explica que, em um primeiro nível, a Permacultura lida com as plantas, animais, edificações e infraestruturas (água, energia, comunicações). “Todavia, a Permacultura não trata somente desses elementos, mas, principalmente, dos relacionamentos que podemos criar entre eles por meio da forma em que os colocamos no terreno”, diz. Por isso, fala-se bastante em design permacultural, que é o arranjo de todos os elementos em um sistema integrado.

Uma das premissas da Permacultura é o não desperdício. É uma visão de que tudo pode ser usado como recurso. “A Permacultura ensina a cultivar alimentos de forma ambientalmente sustentável, a utilizar como insumos os recursos naturais e disponíveis na área ou região, e não desperdiçar nada. Por exemplo: a água da chuva é captada e armazenada, os resíduos da cozinha — assim como os dejetos humanos, através de banheiros secos — são compostados e viram adubo, as construções são feitas de terra”, explica a jornalista e permacultora Alessandra Nahra, no texto Capoeira Angola para escurecer a Permacultura.

E o que isso tudo tem a ver com a cidade?

A Permacultura surgiu na Tasmânia, o menor estado da Austrália (com menos habitantes do que Ribeirão Preto, no interior de São Paulo), onde a vida urbana é bem próxima da vida rural.

Em uma cidade com concreto na quantidade que vemos em São Paulo e com as dimensões continentais com as quais convivemos nessa metrópole, parece que um conceito deste é impossível de ser praticado. De fato é mais difícil e existem empecilhos, mas há caminhos.

Éticas e princípios do design permacultural

A produção local de alimentos, algo que as hortas urbanas podem fazer, é considerada uma oportunidade de se aproximar da Permacultura. “A Permacultura entende que a cidade poderia produzir, a custos baixos, grande parte do alimento quê lhe é necessária e consumir os seus detritos na forma de composto orgânico. Para isso, um passo importante é perder a “vergonha” das plantas úteis e reverter a imagem de que as plantas meramente ornamentais sejam símbolos de riqueza e ostentação. As populações poderiam, assim, obter alimentos a partir do abrigo fornecido pelas cidades, ajudando na convivência solidária e na sobrevivência umas das outras”, avalia Guga Nagib no livro “Agricultura Urbana”.

Entre as possíveis soluções apontadas na obra está a implantação de estufas junto as construções já existentes para aumentar a quantidade e a qualidade dos cultivos urbanos; o uso de folhas e galhos cortados na compostagem; a utilização das áreas públicas abertas e sob as copas das árvores para o cultivo de plantas baixas; o uso de telhados verdes como alternativa para o cultivo de alimentos; entre outras.

Essa possível transformação só vai acontecer, claro, se houver interesse político e social. Por isso os movimentos de agricultura urbana e os coletivos como Permasampa e Permacultores Urbanos são importantes. Desenvolver consciência e educação ambiental é o primeiro passo para que a sociedade entenda esse conceito como algo viável e possível e não como um delírio hippie dos anos 1970.

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