A primavera é o período em que a natureza urbana fica mais evidente. É uma época com mais aves cantando, mais flores coloridas, mais fruta no pé (e no chão). É também o período em que algumas aves migratórias vêm pra cidade passar uma temporada nas nossas áreas verdes, usando-as, inclusive, para se reproduzir.

E esse é o tema da tese de doutorado da bióloga Karlla Barbosa, que estudou algumas aves migratórias que usam as nossas áreas verdes, principalmente os parques, como pouso.

“Elas começam a chegar entre agosto e setembro e começam a partir em março. Em maio quase todas já foram embora”, diz a pesquisadora.

Entre as 31 áreas que serviram de campo de pesquisa estão: Parque Ecológico Tietê, Parque Tiquatira, Jardim Botânico, Parque Ibirapuera, Aclimação, Horto Florestal, Parque Anhanguera, Parque Trianon, Villa Lobos, Parque da Luz, Piqueri, Parque do Carmo e Parque da Juventude.

Karlla Barbosa e o bem-te-vi-rajado, uma das aves que usam os parques de São Paulo para se reproduzir.

A única área onde a pesquisadora não encontrou as aves foi na praça Amaguas, em Pinheiros. Em todas as outras, elas puderam ser observadas.

Karlla estudou as aves que fazem a migração austral, ou seja, movimentam-se dentro do continente Sul Americano, algumas nem saem do nosso país, indo do sul para o norte durante o inverno.

Entre as espécies estudadas e que já estão começando a chegar na cidade estão: tesourinha (Tyrannus savana), bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus), peitica (Empidonomus varius) , bem-te-vi-pirata (Legatus leucophaius) e suiriri (Tyrannus melancholicus). São todas da família Tyrannidae, da qual faz parte um terço dos migrantes austrais.

O motivo destas “viagens” é buscar calor e comida. A competição por recurso na época de inverno aumenta entre estas aves migratórias porque elas são insetívoras e a quantidade de insetos disponíveis diminui com o frio. Além disso, precisam gastar muita energia pra manter a temperatura e, por isso, vão para um lugar mais quente.

Ainda não se sabe exatamente para onde elas vão. Porém, elas voltam pra São Paulo em um momento importante: o acasalamento e a reprodução.

“Historicamente, aqui era Mata Atlântica completa e isso ainda está no gene destes animais, de usar os mesmos locais que os pais, avós e bisavós utilizavam. Lá elas vão passear, tirar férias. Quando passa esse período, voltam pra cá”, diz Karlla.

E é nesse momento que nós, moradores da cidade, podemos observá-las mais de perto.

Pra isso, é preciso estar com os ouvidos bem atentos. Os pássaros da família Tyrannidae não são muito chamativos e coloridos e preferem ficar acima de 4 metros de altura. Porém, cantam muito entre setembro e outubro porque estão procurando parceiros e defendendo território.

Bem-te-vi-rajado anilhado: foi com o uso de anilhas que a pesquisadora conseguiu acompanhar a movimentação das aves pelos parques da cidade. Foto: Aves da Cidade

Então, você pode prestar atenção nos sons e, a partir dele, encontrar os animais para observar.

O melhor lugar para vê-los, segundo Karlla, é o Parque Estadual da Cantareira. “Recomendo também o Parque do Carmo, Parque 9 de julho, Horto Florestal, Parque Ecológico do Tietê e até alguns menores, mas que também têm muitas aves, como Aclimação, Parque Cidade Toronto e Burle Marx”.

O que esses pássaros dizem sobre a cidade

O estudo sobre as aves migratórias que usam os parques da cidade de São Paulo levanta um debate interessante sobre a conservação de áreas verdes e cursos d´água, e também sobre o controle dos ruídos urbanos.

O resultado da pesquisa sugeriu que, embora a cobertura de árvores seja importante para a biodiversidade em áreas urbanizadas, o manejo adequado dos cursos d’água urbanos e a redução dos níveis de ruído também são essenciais para manter a diversidade de pássaros.

Karlla detectou que nas áreas onde havia mais ruído e pouca água, a presença de aves era menor. Não foi possível fazer um estudo comparativo, de antes e depois, porque é algo que demanda mais tempo. Porém, ficou muito claro que o barulho e a ausência de água resultam em menos aves.

“As aves podem ser o nosso termômetro. Porque o impacto da urbanização e da impermeabilização do solo não se dá apenas na vida dos bichos, mas na nossa também. A partir do momento em que as aves somem, tem algo ruim acontecendo. Elas são um termômetro ambiental que nos mostra que tem algo errado”.

E tem mais: como são aves insetívoras, elas cumprem uma função importante no controle natural dos insetos dentro das cidades.

E é justamente na manutenção do equilíbrio que naturalmente existe na natureza que nós, humanos, precisamos pensar. A nossa mão pesada desequilibra muitas coisas. E as aves migratórias mostram, com esse movimento fascinante de voar quilômetros todos os anos, que existe tempo e lugar para tudo.

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4 comentários

  1. Muito interessante este seu trabalho.
    Tem alguma lista que posso consultar?
    Os 3 citados na reportagem eu encontro aqui no me bairro Brooklyn Velho.
    O Sabia una esta vocalizando bastante, mas tem outras vocalizações que nao reconheco.
    Minha lista para o bairro ja chegou a ter mais de 70 especies, mas diminuiu muito com os condominios horizontais.
    Faz mais de 20 anos que observo aves no bairro.
    Obrigada

    1. Oi June, tudo bem? Que interessante seu trabalho de observação. Eu não tenho lista, mas sugiro que entre em contato com a Karla pela página dela: avesdacidade.wordpress.com. E depois me conte mais sobre isso! Obrigada pelo contato! Maisa.

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