Se você tem ou já pensou em ter uma horta em casa, talvez tenha se deparado com a dúvida: para que? Será que vai dar certo? Não preciso de mais espaço? De que adianta ter uma horta se não será suficiente para as demandas de comida da minha família?
Bem, plantar na cidade não precisa ser uma experiência de autossuficiência e nem seguir aquele modelo tradicional de canteiros em linha reta. Não é preciso ter curso universitário e nem mesmo um grande espaço. Um vaso de tempero na janela, que você pode plantar, colher e comer, já cumpre a função de mostrar o quanto a natureza é abundante.
O exercício doméstico de plantar é principalmente educativo, porque ao se aproximar da terra e do ciclo das plantas abrem-se horizontes e podemos mudar o olhar para a natureza. É natural, por exemplo, que ao plantar as pessoas se interessem mais em saber a origem dos alimentos, se aproximem de produtores e passem a frequentar feiras e mercados que oferecem itens de produtores locais.
Alessandra Nahra, jornalista e agricultora urbana
A seguir, conto histórias diferentes de pessoas que moram na cidade de São Paulo e plantam comida, ervas e temperos em suas casas. A Leslie e a Gizele cultivam em apartamento; A Tânia e a Rosana, plantam em suas casas; O casal Rico e Thamiris vivem uma experiência de permacultura urbana.
Inspirem-se e comecem sua horta em casa também, sem medo. Apenas experimentem!
Casa Produtiva
Foi depois de acompanhar o filho em experiências escolares de germinação que a produtora de vídeo Tânia Campos, 40, decidiu aprimorar o plantio doméstico. Hoje ela tem um pequeno sistema agroflorestal (SAF) na laje do sobrado onde vive, na Zona Oeste, e organiza cestas com alimentos produzidos por pequenos agricultores para entrega.
“Quando começamos a germinar, percebi o quanto essa abundância da terra é próxima da gente. Fosse na palma da mão ou em um vaso pequeno, tudo ia brotando. E aí fui fazendo essa experimentação de ir para um vaso maior, depois para um caixote, depois pra horta urbana. Acabei fazendo um curso de Permacultura e comecei a ser voluntária na horta da Ocupação 9 de julho porque tinha vontade de estar nos lugares onde isso pudesse fazer a diferença”, conta.
Começou plantando temperos e ervas aromáticas em caixotes, o que a levou a estudar fitoterapia para poder usufruir daquilo que tinha em casa. Até que resolveu encarar a construção do SAF.
“Fiz um canteirão na minha laje e tive um pouco mais de profundidade e largura pra ter abóbora, abobrinha, cúrcuma, batata-doce, berinjela, cará, cenoura, hortaliças e até algumas pequenas frutíferas que fazem sombra. Na frente da casa ainda tem feijão guandu, crotolária, margaridão, maracujá, mamoeiro e ora pro nobis”.
Hoje, além de consumir os alimentos da sua horta em casa, Tânia produz alguns produtos, como detergente caseiro e enzima cítrica desinfetante. “De repente eu vi que dava pra ter outras circulações, para além do alimento, com o uso das plantas”.
Além disso, o envolvimento com hortas a levou a conhecer outros núcleos de plantio e participar de mutirões nas periferias. “Isso é uma alegria, porque uma das minhas preocupações é furar essa bolha, falar do que é mais próximo e local e ao mesmo tempo estar acontecendo junto. Estamos todos no mesmo lugar”.
Ao se envolver com hortas comunitárias, Tânia conheceu alguns produtores locais e começou a organizar vendas na sua casa para ajudá-los a escoar a produção para vizinhos e amigos. Com a chegada da Pandemia, passou a montar cestas com estes produtos.
“Lidar com a horta caseira muda a perspectiva da onde você se coloca vivendo nesse sistema. Ao plantar você se vê ativo, fazendo parte e usufruindo, colaborando com o ecossistema e não explorando”.
Floresta de apartamento
Na varanda do 15º andar onde a professora de ioga Leslie Pizarro vive com os dois filhos, uma mamangava polinizou o pequeno maracujazeiro. Resultado, um maracujá de apartamento foi colhido neste ano.
Neste mesmo apartamento, ela cultiva algumas ervas e temperos como manjericão, cebolinha, hortelã, salsinha, tomilho, lavanda e até pequenas frutíferas, como jabuticabeira e pitangueira, além de ora pro nobis e outras plantas não alimentícias.
“Cuidar da terra, germinar, plantar, podar, regar, sentir o cheiro da terra e o aroma das flores e frutos é muito sanador”, diz.
Para ela, o cultivo doméstico tem a ver com cura. Embora tenha contato com plantas desde criança, já que viveu em casas com jardins, foi quando se viu frente a um diagnóstico de depressão e foi em busca de um tratamento sem antidepressivos que encontrou o caminho curativo da horta em casa.
Uma das atividades deste tratamento foi um curso de jardinagem, paisagismo, sementes e afins na UMAPaz.
“Isso me permitiu invadir todos os cantinhos do lar com plantas, o que se tornou uma Floresta de apartamento. Com o mix de terra, plantas, ioga, acupuntura, filhos, cachorros e contas pra pagar, a vida foi se movimentando e, pacientemente, foi tomando rumo”.
“Criou-se um microclima onde um ser vivo favorece o outro. E penso que é isso que deveríamos aprender com a natureza”.
O outro desdobramento do contato com a horta em casa foi conhecer o movimento de voluntários que plantam pela cidade. Hoje, ela faz parte do grupo Pedra 90. “Sinto e percebo que cada um de nós vai curando um pouco de suas dores e desalentos nestes encontros e interações com a terra e com as pessoas. Juntos sabemos que podemos fazer uma Pequena Grande diferença em nossa cidade”!
Tempo e atenção
O casal Rico Venerito e Thamiris Nascimento construíram na casa em que vivem, na Zona Leste de São Paulo, uma experiência de permacultura.
Quando se conheceram, na PermaCasa da Mooca, eles já estavam envolvidos com esse tipo de movimento e juntaram expertises para criar o C’alma, um espaço Ecocultural que é uma extensão da casa onde vivem e do trabalho que desenvolvem. O espaço foi elaborado de forma sustentável, com reaproveitamento de materiais e técnicas bioconstrutivas.
Tanto em casa quanto no C’alma, separados por um muro, eles cultivam dezenas de espécies alimentícias, tanto convencionais como não convencionais. Lá tem Abóbora, café, banana, maracujá, romã, limão, manga, araticum, hortaliças, ervas medicinais e até cana-de-açúcar.
E a vida do casal e da pequena Nina, de um ano e meio, inclui tempo para cuidar de todas as essas plantas, colher e cozinhar. Nada ali é produzido para vender, mas sim para consumo próprio. Ainda assim, é preciso dedicar tempo. E ter esse tempo é uma questão de escolha.
“No ambiente urbano, quando tem um tempo livre as pessoas querem descansar e ter a comodidade de assistir televisão. E quando se tem plantas, é preciso dar atenção. Como as pessoas estão muito inseridas em uma cultura de que as coisas que a gente se alimenta estão no supermercado, elas se distanciam dessa possibilidade e não se dão a oportunidade de voltar a trabalhar na terra. Como nossa terra aqui é grande, é muito trabalho, dedicação. Não chega a ser uma vida de sitiante, mas às vezes a gente tira o dia para isso. Se queremos algo mais elaborado, como fazer açúcar, é preciso cortar a cana, descascar, moer, separar, ficar mais de 4 horas no fogo separando a espuma pra conseguir um melado que e um néctar. Tem que ter dedicação”.
Rico
O trabalho, ele diz, compensa. “A energia de desenvolvimento de uma planta tem muita força. A hora que você descobre isso e começa a se alimentar disso, coisas incríveis acontecem. No dia que colhemos trigo aqui foi uma vitória, uma experiência vitoriosa”.
Nina, com um ano e meio, já participa das colheitas. Com o pé na terra, ela aprende experienciando, como as crianças costumam fazer. “Ela está tendo a oportunidade de participar do ciclo da vida. Não precisa explicar, a própria vivência já esta trazendo consciência dos processos cíclicos da vida”.
Germinando para o futuro
No apartamento de 40 m², na Zona Norte, onde vive com o marido, Gizele Carvalho, 33, tem um berçário de mudas frutíferas como pitaya, jabuticaba, mexerica e uva. A ideia é que, ao crescerem, essas plantas ganhem espaço em um terreno que ela possui em Parelheiros, bairro onde Gizele nasceu e cresceu e que já tem uma vocação para o Ecoturismo.
“Esse gosto por plantar em casa começou com um vasinho de hortelã e o sonho de, um dia, construir uma pousada em Parelheiros”.
Porém, o interesse pelo cultivo de uma horta a levou por caminhos que, de dentro do escritório em que trabalha como turismóloga, ela não poderia imaginar. Em 2019, Gizele participou do curso de formação em Agrofloresta Sintrópica que aconteceu na Praça Victor Civita, e voltou para casa cheia de ideias.
“Enquanto estou em um escritório, tem pessoas fazendo coisas tão incríveis, plantando, se ajudando, ensinando como fazer. Saí do curso maravilhada e acabei mudando o propósito que eu tinha para o meu terreno”.
Hoje, ela pensa em ter um local autossustentável, feito com bioconstrução, com horta, onde a comunidade possa se desenvolver e aprender um pouco mais sobre sustentabilidade e natureza.
Além disso, plantar no apartamento a levou a mudar alguns hábitos de consumo como, por exemplo, incluir mais frutas e verduras na alimentação.
As frutas chegam, principalmente como fonte de sementes que ela quer cultivar. “E aos poucos isso vai virando um hábito”, diz.
As verduras, que não eram frequentes na dieta, entram na salada quando ela faz a colheita de alface e agrião. “É engraçado porque quando eu comi o que plantei, pensei, ‘nossa porque eu não comia antes’. Prestei mais atenção na textura e no sabor. Acho que tem um componente emocional que é comer aquilo que você mesma plantou”.
Companhia Verde
Rosana Franceschelli, 52, se mudou para a casa onde vive, na Zona Norte, para cuidar da mãe. Lá, viu a oportunidade de retomar um contato com as plantas que ficou um pouco perdido no período em que morou em apartamento.
A primeira coisa que fez foi rasgar o concreto e colocar plantas ornamentais. Depois, começou a plantar temperos e ervas, como salsinha, cebolinha, manjericão, boldo, cidreira e capim limão. Na sequência vieram hortaliças, que brotaram em uma jardineira na janela, até que ela sentiu confiança e evoluiu para os legumes.
“Eu costumava tomar suco verde com couve e pepino. Aí plantei pepino pra usar no suco e foi a realização. Eu estava, de fato, transitando das ervas para os legumes. É uma relação de encantamento”, diz.
Hoje, Rosana tem na sua horta em casa tomates, berinjela, mamão, alho, jabuticaba, cereja do rio grande, capuchinha, ora pro nobis etc. No começo do ano ela conta que teve uma boa colheita de tomates que nasceram espontaneamente. Provavelmente vieram com os pássaros que costumam frequentar o quintal.
Além de consumir, ela distribui o excedente para os vizinhos e conhecidos, uma forma de espalhar a ideia de que ter uma horta em casa é possível. “É um resgate do passado, da troca e as pessoas acabam pensando, ‘por que eu não faço também?’. Isso dissemina esse tipo de comportamento”.
Esse envolvimento com a horta doméstica a levou a melhorar a própria alimentação e, consequentemente, a ter um minhocário mais cheio de frutas e verduras. Ela passou a frequentar a feira de orgânicos do Parque da Água Branca, onde além de comprar, trocava ideias com os produtores. E acabou por conhecer e se envolver com os movimentos de plantios voluntário em São Paulo, como o Pedra 90.
“Nesse movimento, a gente acaba conhecendo muita pessoas com o mesmo interesse. É um grupo do bem, de cooperação. Assim como a natureza, aspectos diversos convivem juntos e de forma harmônica”.
Embora viva sozinha, ela conta que encontrou nas horta em casa não só um caminho de vida saudável, mas um a companhia. “Moro sozinha, mas não me sinto sozinha porque tem outros seres que vivem aqui”.
Adorei o conteúdo!