No bairro de Perdizes, a jornalista Ale Nahra transformou a laje em um quintal produtivo que a fez se reconectar com a natureza dentro da cidade.

“O objetivo maior de produzir comida e tempero na cidade não tem a ver com autossuficiência. Tem a ver com reencontrar o teu lugar de humano dentro da natureza”.

Essa frase da Alessandra Nahra, jornalista, ativista e agricultora urbana, é pra motivar todo mundo que quer plantar, mas usa a desculpa de que não tem espaço para produzir em quantidade. “Se você tem um parapeito de janela que bate algumas horas de sol, já pode começar a ter alguns vasinhos”.

Ale, 49 anos, mora em um sobrado virado para o norte e transformou a laje em um biossistema, uma horta em casa com comida, tempero, flores, PANC (Plantas Alimentícias não Convencionais), composteira e muitas técnicas de cultivo e cuidados. É um espaço de experimentação dela, mas também um exemplo do que se pode fazer na cidade.

O quintal de Alessandra antes e depois de virar uma horta. Foto: Ale Nahra

A história desse quintal se confunde com as descobertas que Ale fez nos últimos 11 anos de vida morando em São Paulo. Ela nasceu em Porto Alegre e passou boa parte da vida em Santa Catarina, pegando onda, em um contato muito próximo com a natureza. Já jornalista, veio pra São Paulo trabalhar e em um ano achou que tinha se condenado a uma profissão urbana, que a manteria longe do verde. Pediu demissão depois de três anos e foi viajar. Morou em Nova York, na Califórnia e no Havaí, onde trabalhou em uma fazenda de alface orgânica. “Foi nesse momento que comecei a ver que esse negócio de plantar era legal”. Ela foi, inclusive, estudar agronomia, mas parou no primeiro ano. “Percebi que o curso de agronomia era um curso de engenharia e não ia me ensinar exatamente a plantar”.

O encontro com o universo da agricultura urbana veio junto com a adoção do Heitor, o cachorro que ela resgatou na Avenida Heitor Penteado, em São Paulo. Ela era sócia de uma empresa de design digital, morava em apartamento e tinha guardada dentro de si a vontade de plantar. A chegada do Heitor fez com que procurasse uma casa onde pudesse ficar com ele. Achou o sobrado e fez a mudança. O desafio era plantar sem ter terra no chão, já que toda a laje era revestida. Foi quando ela resolveu estudar sobre agricultura urbana e descobriu que podia transformar aquele espaço frio em um espaço verde sem quebrar o chão. Criou toda a horta em caixotes, vasos, latas, suportes, caixa de isopor etc. “Fiz um curso intensivo de Agricultura Urbana no Arboreser e vi pela primeira vez o que é uma horta agroecológica. Até então, a minha ideia de horta eram aquelas linhas de alface”, conta Ale Nahra. E a laje virou um espaço de experimentação e a ajudou a fazer uma transição de carreira. “Quando eu vi que tinha uma hortinha legal, pensei que poderia ajudar as pessoas que tinham as mesmas dúvidas que eu tive. E aí criei uma oficina e abri a casa. As primeiras oficinas se chamavam ‘horta em qualquer lugar’ e eu mostrava para as pessoas o que tinha feito”. Aprimorada, ela se transformou na oficina “Compostar + Plantar”, que ela ministra na Escola de Botânica.

Quando um quintal pode ajudar na transição de carreira e estilo de vida

Até 2016, Ale era sócia de uma empresa de design digital e tinha clientes grandes no meio corporativo. Quando começou a se sentir desconectada desse trabalho, conta que começou a listar o que gostava de fazer e chegou a 4 pontos: cuidar de bichos, plantar, cozinhar e escrever. “Aí comecei a escrever sobre as outras três coisas e surgiu o site Herbívora”, diz. Em 2016 ela saiu da sociedade e, hoje, escreve sobre assuntos correlatos, desenvolve projetos, dá cursos e é uma ativista engajada do veganismo. “Parei de comer carne quando eu tinha 14 anos. Aos 30, voltei a comer peixe porque eu corria e uma nutricionista me convenceu de que eu precisava de proteína”, conta. Mas aí veio a adoção dos gatos e o envolvimento com proteção animal, que mudou tudo. “Eu digo que a primeira gata que adotei abriu meu coração para a compaixão por todos os seres. Comecei a me envolver com proteção animal e estudar sobre veganismo, que não é uma dieta e nem um estilo de vida, mas uma posição política. Aí comecei a ler pessoas que falam sobre veganismo interseccional e veganismo político, algo que não tem nada a ver com o veganismo hegemônico, baseado no consumo, que é uma coisa muito elitista”.

Alessandra em sua horta na laje

Esse movimento veio de encontro com a questão da agricultura urbana e da agroecologia, já que, segundo Ale Nahra, é preciso reforçar as cadeias de relações que levam a comida ao nosso prato. “Temos que fazer uma cadeia reversa e lá no começo tem que estar o agricultor familiar, a agroecologia e a reforma agrária popular”.

Aqui, voltamos ao ponto inicial deste texto. O contato mais íntimo com as plantas, seja dentro de casa ou em uma horta comunitária do bairro, pode significar uma nova relação com a comida e com toda essa cadeia de produção sobre a qual Alessandra fala. “É quando você percebe que é um agente das maravilhas da natureza, e que isso pode começar na sua casa, em qualquer lugar, sem querer produzir toda a alface que você come”.

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