O indígena e ambientalista Aílton Krenak tem sido uma voz importante durante esta pandemia. Seja em entrevistas, artigos ou no ensaio O Amanhã Não está à venda, que pode ser baixado gratuitamente, ele sempre fala da importância da nossa conexão com a natureza e do quão urgente é rever o nosso modo de vida.
Separei três trechos de falas dele que nos trazem reflexões sobre a vida na cidade.
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“O que a gente chama de vida selvagem é gente. Tem um sentido de pertencer à humanidade, no sentido de cuidado. O cuidado com a vida na Terra supõe o cuidado com o elefante, com a onça, com o macaco, com a formiga, com a abelha. Basta estar vivo para saber que a abelha também precisa estar viva, senão não nós estaríamos”.
Aílton Krenak para a Revista Trip
Krenak sempre pontua a interdependência entre os seres. “Não estamos separados da natureza como organismo”, ele disse em um bate-papo com o físico Marcelo Gleiser.
Mas dentro da cidade, essa interdependência nem sempre é clara. A gente compra comida no supermercado, tem água disponível na torneira, mata a abelha que entra na cozinha. Parece que dependemos apenas de nós mesmos, que não existe toda uma biodiversidade acontecendo para que a vida siga em frente.
Mas isso não é verdade. Haja vista as abelhas, que precisam existir para que tenhamos alimento. Por isso, mesmo morando na cidade é importante pensarmos em como conservar e restaurar a biodiversidade. Afinal, somos os grandes consumidores do Planeta.
O primeiro passo para essa conservação é aprender a conviver com o outro (bicho, planta, água etc). No ambiente urbano essa convivência nem sempre é clara. Por isso são importantes trabalhos de resgate das abelhas nativas sem ferrão; de plantio da vegetação nativa, que traz de volta para o ambiente urbano espécies vegetais e animais; de preservação das nascentes que estão dentro da cidade e mostram que os rios seguem vivos por aqui.
É olhar e aceitar que há muitas vidas além da nossa convivendo por aqui.
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“Eu te digo que, na ordem das minhas preocupações, começo a me preocupar primeiro com meu quintal, o rio que passa na minha casa, depois o estado, o país, o planeta. Antes de me angustiar, tem esse longo caminho”.
Aílton Krenak para o Correio Brasiliense
Olhar para o macro é importante. Mas, antes, é preciso olhar para o micro, para a vida cotidiana e ordinária, que é sempre nosso maior contato e espaço de experiência.
Precisamos cuidar da árvore da calçada, do lixo da nossa casa, da praça do bairro, do parque que frequentamos porque nesse pequeno ato está o primeiro passo.
Abrir o olhar para a natureza que nos rodeia dentro da cidade – e cuidar dela – é o começo de uma viagem pela preservação em qualquer lugar.
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“Nós deixamos rastro demais e toda cultura que deixa rastros é insustentável. Vamos imaginar que quando nosso povo vivia no litoral, na mata atlântica, no cerrado, na floresta, em cada ciclo da natureza, comíamos frutos de cada estação, bebíamos água pura onde existia, não produzindo lixo, isso era sustentável. Quando você sai desse ambiente e começa a experimentar outro consumo, outra circulação, você já entrou no circuito dessa insustentabilidade”.
Aílton Krenak para o Correio 24h
Ser sustentável é cada vez mais necessário. Mas é também um grande desafio, porque vivemos em uma lógica de muito consumo e pouca responsabilidade.
Levando em conta que a maioria das pessoas já vive em ambientes urbanos, é preciso urgentemente rever os padrões de consumo, as formas de descarte, as reais necessidades, o estilo de vida.
Mais do que nunca precisamos pensar na cadeia de consumo do início ao fim e entender a nossa responsabilidade nisso. Ao comprar, compactuamos com os valores de quem produziu e partir daquele momento temos que assumir a responsabilidade por tudo que vem com aquele consumo, incluindo aí o descarte do produto ou das embalagens.
Não existe “jogar fora”. O fora é o planeta, é a calçada, é a cidade, é o rio. E aí, será que eles não importam?