Desde a infância ouço falar da importância da preservação ambiental. Tenho 40 anos e esse discurso sempre pareceu algo distante, coisa de quem vai pra Amazônia lutar pela floresta. Da perspectiva de quem mora na cidade, parecia não haver nada que pudesse ser feito a não ser ouvir sobre assunto e pensar que isso teria alguma importância no futuro.
Pois esse futuro que imaginava na minha infância chegou. O cenário de hoje mostra a urgência em restabelecermos uma conexão com a natureza.
O coronavírus só acelerou esse processo ao expor nossas vulnerabilidades, tanto de saúde quanto sociais, políticas, econômicas e, claro, ambientais.
Zoonóticos, como 60% das doenças infecciosas conhecidas em humanos, os coronavírus são transmitidos entre animais e pessoas. E dentre os fatores que contribuem para que isso aconteça está a degradação ambiental, a exploração predatória da natureza e a perda da biodiversidade.
Biodiversidade essa que é justamente o tema do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado hoje, 5 de maio.
Segundo informações do Guia Prático do Dia Mundial do Meio Ambiente, divulgado pela ONU, “um milhão de espécies vegetais e animais estão em extinção – algumas desapareceram em poucas décadas. Cada espécie desempenha um papel importante para manter um ecossistema equilibrado e saudável. Perdas de biodiversidade e habitat podem favorecer a disseminação de doenças infecciosas e viroses”.
Bom, acho que ninguém quer uma nova pandemia tão cedo, certo? Mas é bom saber que a probabilidade de isso acontecer é grande, ainda mais se a vida continuar na mesma toada de antes.
“Mas vivemos em uma metrópole, que não tem nada a ver com a terra, com o meio-ambiente. Esse é um papo para ambientalistas”. Talvez a Maisa lá da infância pensasse assim. Mas hoje sei que não funciona dessa maneira.
Esse mesmo guia da ONU diz que as cidades abrigam a maioria das pessoas e consomem cerca de 75% dos recursos provenientes da natureza. Até 2050, a previsão é de que 80% da população mundial viverá em áreas urbanas.
Ou seja, do alto dos prédios da cidade é preciso olhar, sim, para o meio-ambiente. Mas como?
Caminhos possíveis de dentro das cidades
O ambiente urbano pode até parecer contrário ao que pensamos de um ambiente mais conectado à natureza e, de fato, o estamos construindo dessa forma. Mas não precisa ser assim.
Por mais tecnológica que seja a cidade, a vida humana vai precisar da natureza para ter coisas básicas como água, comida e ar.
Portanto, viver em cidades não significa viver longe da natureza. Pelo contrário, falar em meio-ambiente dentro das cidades é pensar em muitos aspectos, como áreas verdes, lixo, distribuição da água, rios urbanos, drenagem da água da chuva, fauna urbana, consumo e até produção de alimentos.
Tudo isso permeia a vida das pessoas e precisa estar no nosso radar como coexistência. Não dá mais pra falar em vida urbana colocando nós “humanos” de um lado e a natureza de outro.
Ailton Krenak é o mestre em nos fazer pensar sobre isso:
“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja a natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”.
Ailton Krenak
Esse papo está ótimo mas, na prática, o que podemos fazer? Eu vejo algumas possibilidades:
- Conecte-se ao meio-ambiente do seu bairro. Frequente praças, parques e observe a natureza das ruas. Esse é um ótimo caminho para restabelecer uma conexão perdida.
- Plante em casa, seja na varanda ou no quintal, plantas comestíveis ou ornamentais. Os nossos jardins particulares também fazem parte do verde urbano, que precisa crescer e se espalhar.
- Escolha uma horta urbana e passe a frequentá-la. Estas hortas não são espaços apenas de plantar e colher, mas de se conectar com outras pessoas e com uma cidadania que se preocupa com o ambiente das cidades. Muitos espaços já foram transformados por uma horta urbana.
- Procure comprar em feiras de produtores orgânicos ou de CSA. Isso ajudará a diversificar sua alimentação e fortalecerá uma rede muito importante, que inclui os agricultores urbanos.
- Ocupe os espaços possíveis com verde: horta na laje, no condomínio ou na escola dos filhos, canteiro na praça, telhado verde. Tudo isso é uma forma de trazer vida e biodiversidade para a cidade.
- Construa jardins que prestem serviços ambientais eficientes, como os jardins de chuva, jardins comestíveis ou para polinizadores.
- Faça iscas para captar colmeias de abelhas nativas sem ferrão, que são polinizadoras importantes para a biodiversidade.
- Recicle e reaproveite os recursos. Excesso de descarte é um sério problema ambiental que as cidades causam.
- Repense o seu consumo. Compramos mais do que precisamos, geramos lixo demais e somos complacentes com marcas que só destroem o meio-ambiente. Vá fundo na pesquisa sobre onde você coloca o seu dinheiro.
- Composte o lixo orgânico, como as cascas de frutas e legumes. Isso diminui a quantidade de resíduos que vai para os aterros e ainda gera vida, já que o adubo da compostagem pode ser usado no seu jardim ou nas hortas urbanas.
E espalhe essa mensagem de que é possível viver na cidade e ser conectado com a natureza. Muitas pessoas ainda não conseguiram perceber essa conexão. E quanto mais gente souber, mais forte e resiliente a cidade será!